Autor : Samuel R. A. Pecci
Engenheiro Mecânico-Aeronáutico


Um dos requerimentos do RBHA é o programa de manutenção para aeronaves com número de assentos maior que os limites definidos nas seções aplicáveis (121.367 e 135.419). Na verdade, se adequadamente utilizado, este "requisito" é uma ferramenta para diminuir o custo operacional de uma dada aeronave ou frota. No momento, vamos nos deter na análise da importância do desenvolvimento de um programa de manutenção para aeronaves operadas segundo o RBHA 121, pois a estrutura necessária para se manter um programa de manutenção de maneira adequada raramente é encontrada ou economicamente viável em empresas operando segundo o RBHA 135. Para as últimas, o mais freqüente é seguir sem questionamentos o programa de manutenção básico elaborado pelo fabricante das aeronaves. O presente artigo focará os seguintes aspectos:

(1)    O que é um Programa de Manutenção;
(2)    Homologação de um Programa de Manutenção;
(3)    Análise de custos e eficiência da manutenção;
(4)    A utilização dos tópicos anteriores para o aumento da eficiência operacional (rentabilidade/custo operacional) da aeronave ou frota.

(1) Um Programa de Manutenção requerido pelos RBHA acima descritos é um documento da empresa operadora da aeronave cuja função é descrever detalhadamente quais serão os intervalos e tarefas de manutenção a serem seguidos pela mesma, no intuito de manter sua aeronave aeronavegável. A elaboração de um programa de manutenção adequado para a aeronave ou frota operada pela empresa exige pessoal capacitado, de preferência com alguma experiência nesse tipo de trabalho e manutenção da aeronave em questão. O programa de manutenção da empresa não precisa seguir as recomendações do fabricante (mais sobre isso à frente), razão pela qual anteriormente dissemos que o programa de manutenção é uma ferramenta para diminuir o custo operacional da aeronave.
Um programa de manutenção típico para operadores 121 divide-se em manutenção da aeronave, manutenção dos motores, trens de pouso e unidade de força auxiliar (Auxiliary Power Unit - APU), e manutenção dos demais componentes, como válvulas de sangria, de pressurização, extintores, instrumentos, e assim por diante. Dentro do programa de manutenção encontram-se, detalhadas, todas as tarefas de inspeção, substituição ou serviços executados na aeronave. A operadora deve prover, também, procedimentos para o registro e arquivo dos serviços executados na(s) aeronave(s), inclusive das discrepâncias encontradas. A finalidade de tal controle de qualidade será mostrada no próximo item.
Os fabricantes de aeronaves de grande porte normalmente publicam uma miríade de documentos a respeito de como tornar a manutenção mais eficiente. Utiliza-se de procedimentos estatísticos que permitem assegurar a aeronavegabilidade da aeronave mesmo alterando-se os intervalos de inspeção ou realizando tarefas de manutenção em apenas parte da frota. Além disso, o programa de manutenção pode ser revisado a partir da experiência do operador (claro que sempre com dados substanciáveis, obtidos da operação por algum tempo da aeronave), modificando-se, assim, os requisitos da manutenção executada pela operadora, de maneira a melhorar a eficiência operacional da mesma.
Se a empresa operadora não tem experiência nenhuma com um determinado modelo de aeronave, ela deve partir dos intervalos de manutenção recomendados pelo fabricante para a elaboração de seu programa. Somente depois de reunir uma quantidade suficiente de dados operacionais, operando a aeronave durante algum tempo, é possível pleitear modificações no programa de manutenção da empresa que têm chance de ser aceitas pela Autoridade Aeronáutica. Para aeronaves de grande porte, recomendamos algo da ordem de dezenas de milhares de horas voadas, especialmente para as inspeções estruturais e/ou de intervalos mais longos.


(2) Todo programa de manutenção ou alteração do mesmo é submetido à análise e aprovação/aceitação da Autoridade Aeronáutica. Ponto. O que queremos dizer com isso é que o programa de manutenção não é alterado pela operadora da aeronave a seu bel prazer. Qualquer alteração a ser realizada só pode ser implantada após análise e aprovação da Autoridade Aeronáutica. O programa de manutenção aceito/aprovado é, portanto, um acordo entre a operadora e a Autoridade. Ambos estão dividindo a responsabilidade pela eficiência do programa, ou seja, estão de comum acordo que entre os intervalos definidos no programa de manutenção a probabilidade de uma falha crítica se desenvolver é expressivamente remota. Eis aí a razão pela qual há a necessidade de se apresentar dados em volume suficiente ao pleitear uma modificação nos intervalos de manutenção. Os melhores dados para tal embasamento são os registros de discrepâncias encontradas durante os serviços de manutenção. Em seguida, as ações corretivas postergadas encontradas durante a operação e os registros da tripulação. A reunião e organização desses dados são a base para pleitear modificações no programa de manutenção. Operadores com larga experiência na operação de aeronaves de grande porte já conseguiram estender seus intervalos de inspeção em até três vezes o intervalo inicial recomendado pelo fabricante.


(3) A empresa operadora, após haver estabelecido seu programa de manutenção, deve aferir se o programa de manutenção está adequado, ou seja, se os custos de manutenção estão em um patamar razoável. A equipe que prepara, cumpre ou gerencia o programa de manutenção deve quantificar quanto a(s) aeronave(s) custam em manutenção para cada hora voada. Com base na experiência anterior de operação da aeronave, é possível descobrir até quantas horas-homem de manutenção corretiva serão necessárias para cada hora-homem de manutenção preventiva aplicadas na(s) aeronave(s).
Outra tarefa importante é dimensionar a força de trabalho, isto é, o número de mecânicos e inspetores de maneira adequada para aplicação do programa de manutenção aceito/aprovado pela Autoridade Aeronáutica. É sabido que quanto mais pessoas houver trabalhando na manutenção, tanto mais rápido a aeronave estará novamente disponível para vôo. Mas de nada adianta funcionários parados enquanto a aeronave opera. Para frotas grandes, é bem mais fácil gerenciar o tamanho do quadro. Para frotas pequenas, até quatro aeronaves, isto pode ser um problema especialmente se o programa de manutenção prevê paradas em intervalos grandes, da ordem de milhares de horas de vôo.
De maneira geral, quanto maior o nível de manutenção executado pela operadora, tanto mais baixos serão os custos da empresa, se o volume de serviços for suficiente (leia-se grande número de aeronaves). Ensaios não-destrutivos e ferramentas especiais são elevações de nível de manutenção cujo custo de homologação é bastante alto. Cabe à operadora determinar qual a melhor opção.
Qualquer análise estatística como as apresentadas acima precisa de um grande volume de dados para ser confiável. Daí porque dissemos que as alterações no programa de manutenção precisam ser baseadas em um bom número de horas voadas para garantir a aeronavegabilidade da aeronave nos novos intervalos.
A partir dessas informações, uma previsão de custos mais realista pode ser passada adiante, para a diretoria ou planejamento estratégico da empresa, cuja responsabilidade é administrar a empresa de maneira adequada para garantir a operação segura e confiável da(s) aeronave(s) durante anos.


(4) A maneira mais simples de se diminuir o custo direto de manutenção de uma aeronave ou frota é aumentar os intervalos entre inspeções. Contudo, como já dissemos anteriormente, esse é um processo que exige uma sólida base de dados e análise de experiência anterior na operação do equipamento para solicitar aprovação da Autoridade Aeronáutica.
Uma outra maneira bastante utilizada de se minimizar o impacto de inspeções de freqüência mais longa é dividir as mesmas em intervalos menores. Podemos destacar as seguintes vantagens dessa prática:
* Tendo várias paradas menores ao invés de uma parada grande, os custos da inspeção e correção dos defeitos encontrados serão diluídos em um tempo maior;
* A aeronave estará em manutenção em intervalos menores, o que permite a detecção mais rápida de alguma falha mais séria, ou antes que essa coloque em risco a segurança de vôo;

Em compensação, teremos as seguintes desvantagens:
* Nem sempre é fácil demonstrar conformidade com os requisitos do plano de manutenção, especialmente se as inspeções de intervalos maiores estiverem divididas nesses blocos. Por isso, a documentação deve estar muito bem organizada para se poder acessar os dados necessários de maneira rápida, indubitável e a qualquer tempo;
* Se a experiência na operação da aeronave não for suficiente, ou um erro de cálculo tiver ocorrido, as paradas freqüentes podem diminuir os índices de pontualidade e confiabilidade de despacho devido a atrasos na saída da aeronave de manutenção, o que pode macular a imagem da empresa no mercado.

Outra técnica é a utilização de programas de confiabilidade de componentes cujos custos de manutenção são muito elevados. Podemos destacar, por exemplo, motores, seus acessórios e trens de pouso. Um trabalho realizado seguindo as recomendações dos fabricantes dos componentes permite a extensão dos intervalos de revisões, baseados em inspeções preventivas e monitoramento do comportamento dos componentes. Alguns chegam mesmo a não possuir intervalo entre revisões gerais (TBO) definido, podendo operar indefinidamente enquanto as inspeções periódicas atenderem a requisitos específicos (categoria "On Condition").
Toda modificação no programa de manutenção da aeronave deve atentar para, no mínimo, os dados expostos acima. Toda modificação no programa de manutenção da aeronave deve ser aprovada ou aceita pela Autoridade Aeronáutica. Toda modificação no programa de manutenção da aeronave deve basear-se em um volume considerável de informações a respeito dos resultados das manutenções preventivas realizadas e situação geral da aeronave.


Resumindo, os tópicos principais deste artigo foram:
* O programa de manutenção define todas as tarefas a serem realizadas na aeronave ou frota, sejam elas inspeções, serviços ou substituição de componentes;
* O programa de manutenção deve ser submetido à aprovação/aceitação da Autoridade Aeronáutica, assim como qualquer modificação no mesmo só pode ser implementada após apreciação daquela;
* Cabe à operadora aferir se o programa de manutenção está adequado, isto é, se os custos de manutenção estão em um nível aceitável;
* O operador sem experiência na manutenção de um determinado modelo de aeronave deve começar com os intervalos definidos pelo fabricante;
* Existem várias técnicas para abaixar os custos de manutenção da aeronave ou frota, e sua maioria já descritas em documentos do fabricante previamente aprovados pela Autoridade Aeronáutica do país de origem;
* A empresa deve dispor de um número adequado de profissionais envolvidos na elaboração, implantação e gerenciamento de um programa de manutenção. Os mesmos devem ser capacitados para tal, e de preferência experientes na manutenção daquele modelo de aeronave ou similar.

Os tópicos descritos neste artigo tentaram descrever alguns pontos importantes do desenvolvimento de programas de manutenção de aeronaves, inclusive algumas particularidades referentes à revisões e modificações do mesmo. É importante que o programa de manutenção seja executado e documentado conforme descrito, para que a aeronavegabilidade da frota seja mantida enquanto os custos de manutenção permanecem dentro de um patamar razoável para a empresa. Além disso, uma aeronave bem mantida é um patrimônio com baixa depreciação, ou seja, seu valor de mercado permanece acima da média, quando comparado com aeronaves não tão bem mantidas.