Autor: Adilio Marcuzzo Junior

Enfim recebemos a notícia esperada há anos por muitos usuários do sistema de aviação civil : o governo sancionou a lei que cria a ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil.
Esta notícia me fez recordar da frase que, de vez em quando, alguém murmura ao ver a situação calamitosa de nossa sociedade no que diz respeito aos míseros investimentos realizados pelo governo em segurança, educação, transportes, saúde, etc., etc. : 
"Ah ! que saudades do governo militar !!!!"
Não é minha vontade discutir os pontos positivos e os negativos dos governos militares e civis que já tivemos no Brasil, mas sim as vantagens e desvantagens do controle militar e do controle civil da aviação principalmente quando as mudanças que estão por vir poderão afetar seriamente a segurança de vôo para melhor, se for realizada por pessoas com boas intenções ou para pior, se as intenções forem apenas de interesse financeiro ou político e não técnico.
O que quero dizer com isto é que, apesar da vida de um ser humano não ter valor para algumas pessoas no mundo atual, não podemos, não devemos e não seria humano realizar um processo de transição do controle da aviação civil das mãos do DAC para a ANAC sem um projeto muito sério e organizado.
O DAC vem realizando um trabalho excelente se analisarmos a falta de apoio (leia-se : falta de verbas, pouco treinamento, baixos salários) que os profissionais da Força Aérea têm que suportar e ainda manter todo o sistema de controle e fiscalização de nossa aviação civil que é a segunda em quantidade de aeronaves do mundo, somente perdendo para os Estados Unidos. Nossa legislação aeronáutica, apesar de não ter ainda todos os detalhes da legislação européia ou americana evoluiu muito nos últimos anos e se seguirmos seus requisitos o usuário da nossa aviação civil pode ficar tranqüilo, pois, a aeronave em que voa estará sendo bem mantida conforme normas internacionais rígidas ditadas pela OACI (Organização de Aviação Civil Internacional) da qual o Brasil é signatário.
Vamos analisar alguns pontos importantes no processo de transição e na execução de algumas das atividades que serão passadas do DAC para a Agência Nacional de Aviação Civil :

- É fundamental que o pessoal técnico do DAC possa escolher entre a carreira militar ou civil até o final do processo de transição, através de mudança na legislação ou por meio de concurso interno que, teoricamente, selecionaria os melhores profissionais do sistema atual. A eliminação de 20% dos profissionais militares do sistema a cada ano, sem o recompletamento dos quadros de funcionários bem selecionados seria desastrosa, pois, acarretaria uma sobrecarga de serviço aos militares que teriam que dispor do pouco tempo que têm para efetuar as auditorias e se dedicar, também, ao treinamento dos funcionários civis. A desmotivação de alguns poderia influenciar negativamente no rendimento da transmissão de conhecimentos para os novos inspetores de aviação civil contratados.
- Qual seria o salário do pessoal civil ? Sabemos que existem categorias do governo federal ou até mesmo estadual que possuem bons salários em setores que cuidam de diversas áreas de fiscalização de impostos e que cuidam para que dinheiro não seja "desviado" erroneamente por pessoas jurídicas ou físicas. Será que os auditores ou fiscais da ANAC que cuidarão da segurança de pessoas terão o mesmo valor daqueles que cuidam dos cofres do governo ? Ou realmente dinheiro é mais importante do que aquele simples detalhe chamado de usuário da aviação civil ? 
- As condições de trabalho, no que se refere ao treinamento para os novos profissionais, seriam as que são requeridas pela IAC 3143 ? Vejamos : esta IAC prevê, nos parágrafo 10.2 e 10.3, o seguinte :
"10.2 - Os cursos de fundamental importância para a atualização técnica dos IA1 e IA2 (Inspac Aeronavegabilidade) serão principalmente aqueles relacionados com os aspectos abaixo identificados: 
a. Curso completo ou pelo menos de familiarização de aeronaves;
b. Curso completo ou pelo menos de familiarização de motores de aeronaves;
c. Curso completo ou pelo menos de familiarização de sistemas individuais de aeronaves;
d. Curso de atualização de novas tecnologias relacionadas a aeronaves, motores e sistemas em geral;
e. Cursos de áreas tecnológicas relacionadas a estrutura de manutenção de aeronaves e equipamentos;
f. Cursos relacionados à Garantia e/ou Controle da Qualidade;
g. Cursos de sistemática de controle e manuseio de Publicações Técnicas;
h. Cursos de manutenção de aeronaves, motores e sistemas em geral;
i. Cursos relacionados à Segurança no Trabalho;
j. Cursos relacionados a novas tecnologias e aplicáveis para aeronaves, motores, sistemas ou empresas de manutenção;
k. Cursos relacionados a ensaios não-destrutivos; e
l. Cursos relacionados a controle e estocagem de material de aviação.


10.3 - Os estágios de fundamental importância para a atualização técnica dos IA1 e IA2 serão aqueles relacionados com os seguintes aspectos:

a. Treinamento e acompanhamento de sistemática de inspeção realizada por Autoridades Aeronáuticas de outros países ;
b. Acompanhamento de inspeção em aeronaves, motores e sistemas realizados por empresas homologadas;

c. Acompanhamento de vistorias de aeronaves novas fabricadas no Brasil e realizadas pelo CTA; e
d. Acompanhamento de testes e ensaios não-destrutivos em empresas homologadas".

Estes requisitos de treinamento de pessoal serão mantidos e aperfeiçoados pela ANAC ? 

- Serão criadas superintendências e suas subdivisões com autonomia suficiente para que problemas e pendências sejam solucionados rapidamente ? Sabemos que a organização do DAC é muito centralizadora e os SERAC´s não possuem a autonomia necessária para agilizar certos processos. Na aviação a expressão "tempo é dinheiro" é levada muito a sério, porém, devido à estrutura arcaica do militarismo brasileiro muitos processos emperram dentro da burocracia do sistema de aviação civil. Para se ter uma idéia, o graduado que realiza a vistoria para liberação do certificado de aeronavegabilidade de uma aeronave precisa esperar a assinatura de seu chefe, às vezes um oficial aviador que não tem conhecimento de manutenção aeronáutica, para aprovação do processo e emissão do novo certificado da aeronave. Porque motivo a assinatura de alguém que nem viu a aeronave vistoriada tem mais valor que a de quem inspecionou o equipamento ? Pelo menos um engenheiro, tecnólogo ou técnico deveriam assumir funções de chefia na área de manutenção e os inspetores deveriam ter total liberdade para assinarem pelas auditorias que realizam. Hierarquia não é fator de elevação da segurança de vôo, conhecimento sim. Um conselho de graça para nossa FAB : aviadores deveriam chefiar operações e técnicos chefiar áreas ligadas à manutenção. Garanto que até a organização da aviação militar funcionaria melhor. Quantas vezes ouvi de um INSPAC que o documento de aprovação de um processo estava na mesa de seu chefe mas, devido a uma reunião ou, quem sabe, uma dor de barriga o chefe ainda não tinha assinado o ofício e uma aeronave de milhões de dólares permanecia parada no chão ocasionando prejuízos e dor de cabeça a seu operador. Francamente, alguém tem dúvidas de que a letargia do sistema (além de altos impostos, da alta constante dos combustíveis e a falta de sensibilidade do governo para com a importância estratégica da aviação) é um dos motivos pelo qual alguns empresários brasileiros desanimaram e nunca mais terão uma aeronave ? Quantos empregos deixaram de ser gerados pela desmotivação de vários empresários em comprar uma aeronave ? Na ANAC fatos como este não devem ocorrer, as superintendências devem possuir pessoal técnico qualificado para resolver qualquer problema do usuário do sistema da aviação civil no menor prazo possível e durante as vinte e quatro horas do dia. Devem ser criadas as atividades de representantes designados de engenharia e aeronavegabilidade como no FAA que tornariam mais rápidas, por exemplo, as aprovações de grandes modificações e grandes reparos.
- A troca de informações entre o sistema CONFEA/CREA e a ANAC deve ser aprofundada. Novas regras e mudanças na Resolução 218 do CONFEA devem ser efetuadas especificamente para a aviação civil com a participação de todos os profissionais do sistema de segurança da aviação civil que queiram contribuir para a formulação de leis mais coerentes que resultem na melhoria da segurança de vôo. Certas regras estabelecidas pelo RBHA 145 e RBHA 119 com relação às qualificações mínimas exigidas dos responsáveis técnicos de empresas aéreas e oficinas de manutenção (Chefe de Manutenção e Responsável pela Qualidade) representam um atraso em termos de segurança de vôo. Para que vocês entendam o que quero dizer, hoje um engenheiro aeronáutico recém-formado, sem nenhuma experiência anterior pode se responsabilizar por empresas de manutenção e táxi aéreos, enquanto profissionais de engenharia mecânica, tecnólogos e inspetores de aeronaves com larga experiência de vários anos dedicados à manutenção de aeronaves (na realidade estas pessoas é quem possuem o conhecimento) são impedidos de responderem por empresas conforme o tamanho e tipo da aeronave que está sendo operada ou mantida. Um absurdo que pode ocorrer em uma empresa de táxi aéreo, por exemplo, é que, se ela passar sua operação do grupo 2 para o grupo 3 (a classificação do grupo depende da quantidade de passageiros e tipo de aeronaves operadas), um engenheiro mecânico que, talvez, tenha anos de trabalho dedicado à empresa como responsável técnico e seria o profissional mais qualificado dentro dela para ser o Chefe de Manutenção, pois, conhece a empresa melhor do que qualquer outro profissional, poderá perder seu emprego para um profissional recém-formado em engenharia aeronáutica ou um engenheiro aeronáutico que não trabalha em aviação há anos. O que faz nossa autoridade aeronáutica pensar que este tipo de regra aumenta o nível de segurança de vôo ? Porque não são feitas alterações na legislação valorizando não somente a formação, mas os anos de experiência do profissional ? Até quando o Brasil vai conviver com mentalidades retrógradas que nada contribuem para a evolução de nossa aviação ? 
Tenho escutado reclamações de empresários da aviação que necessitam contratar profissionais experientes para responder por suas empresas, porém, como todos sabem, nossa indústria aeronáutica absorveu grande parte dos profissionais de engenharia aeronáutica nos últimos anos e os empresários sofrem na hora que necessitam contratar; muitas vezes, deixam de contratar um excelente profissional, seja este um engenheiro, tecnólogo ou técnico, pois, as regras não admitem que assinem por empresa em determinados casos. O sistema CONFEA/CREA e a ANAC devem corrigir estas insanidades. 

Pelo menos na aviação ouvir frases que relembram como o Brasil era um país bom para se viver no passado não devem ser freqüentes após a criação da ANAC. Vamos pensar no futuro da nossa aviação como uma nação de pessoas inteligentes que somos. Os senhores pensantes que serão os responsáveis pela criação e organização da ANAC devem se lembrar que também vão utilizar aeronaves para seu transporte e seria prudente que o sistema de segurança de vôo da aviação civil garantisse as mínimas condições de um vôo seguro durante o transporte de vossas senhorias, excelências, magnificências, meritíssimos e demais ências e íssimos deste país . Prestem bem atenção, pois, este recado é para vocês seres humanos mortais iguais como todos os outros : no chão vocês podem estar protegidos dentro de carros blindados que a maioria dos mortais da população não podem adquirir, mas lá em cima, rezem para que o sistema de controle de aviação civil que será criado por vocês garanta vossa segurança e a de seus familiares, pois, ainda não temos nenhuma blindagem na aviação que garanta a sobrevivência de todos os passageiros em caso de acidente aéreo. Voar uma aeronave não aeronavegável é como brincar de "roleta russa". Cada vez que efetuamos um vôo em uma aeronave não aeronavegável é como se girássemos o tambor e apertássemos o gatilho de um revólver com apenas uma bala. A diferença é que a passagem aérea é mais cara que o projétil. Vocês teriam coragem de brincar com as probabilidades neste caso ?
Se a resposta for não, então, comecem a organizar a ANAC com mentalidade de países evoluídos onde a coletividade é mais importante do que interesses individuais. 
É apenas uma questão de cultura aeronáutica.